Esse texto de Carlos
Solano nos mostra como sábios (lembrando que todos somos, porém
enquanto alguns estão adormecidos, outros já evoluiram) protegem,
cuidam e renovam sua vida dentro de um lar. Deixar que o fogo aqueça
nossa alma e nos traga tudo que queremos colher. A paz, o amor, a fé
começam dentro do nosso lar. E nele protegemos aqueles que alí
habitam. Divido com vocês um texto maravilhoso e acolhedor desse
escritor.
“Amanhece no calmo
vilarejo. Uma mulher abre a janela para o sol, pede ao espírito do
fogo visitar a casa e abençoá-la com raios revigorantes. Depois
disso, reúne a família diante do altar. Acende o fogo das ervas:
numa tigela de barro, queima alecrim e louro (pelo sucesso) com um
pouco de açúcar (pelo afeto), com boas intenções para o dia. O
perfume delicioso permeia a casa e purifica os males e
obscurecimentos. Agora ela deve escolher a vela: para a paz, as
azuis. Mais energia? Amarelas ou vermelhas. Amor, vela rosa. Para a
abundância, pensa no verde...Ela recita uma prece e abençoa a vela,
ainda apagada, aconchegando-a ao coração. Pensa em algo bom. Deixa
o sentimento crescer até se tornar pleno. Nesse momento, acende a
vela e diz a intenção para o fogo. A chama reflete os sentimentos
para a casa. Satisfeita, ela escreve o que a família precisa curar e
entrega o papel para a vela. A fumaça leva o pedido para o alto. Ela
sorri. Acredita que os anjos respondem com bençãos especiais.
Recolhe as cinzas, espalha pelo lugar, prolonga a presença do
sagrado. Por fim, oferece flores para a casa, que fica iluminada com
beleza e delicadeza. Agora a mulher se sente pronta para o dia. Olha
lá fora, está frio, é inverno. Ela sabe...Nosso mundo é vivo e
faz um lento respirar ao longo do ano: no verão, a paisagem expira
calor e luz e depois adormece. No inverno, a terra inspira a força
espiritual do céu e fica bem desperta. Dizem que, nesta época, a
energia das plantas se recolhe nas raízes, que no fundo da terra
tudo é vida...A mulher sorri em paz, se preparou. Ela sabe...Como é
na terra, assim é com o nosso coração.
Anoitece na cidade
grande. Um homem chega cansado do trabalho, liga o interruptor e
pensa: “que a luz esteja nesse lugar”. A eletricidade é o fogo
que percorre as veias da casa. A lâmpada acende, fluorescente e
econômica, mas é amarela, “pois a luz branca agride a pele e a
saúde”, ele leu em algum lugar. O homem olha a parede e pensa em
pintá-la com cores mais quentes. Quer de volta a alegria de um
vermelho, a auto-estima de um laranja, quer se comunicar e
conviver...Será que um amarelo poderia lhe ajudar? Com fome, ele
liga o micro-ondas. Desliga. Leu que as ondas empodrecem o alimento.
Prefere o fogão. Acende a TV, o fogo eletrônico em volta do qual a
família toda se reúne. Calada. O fogo da TV pode tanto nutrir como
destruir...Ele bem sabe. É preciso escolher muito bem o que ver, o
que viver. Ele vê a lareira e lembra que a palavra “lar” vem
daí, do fogo protegido. Fogo íntimo. Chama o filho e a mulher,
acendem a lareira, dedicam a fogueira “ao amor, ao calor e à
amizade nesta casa”. Ouvem uma música, conversam sobre o dia e, de
repente, ele se lembra de uma poesia do Drummond: “Meus amigos
foram as ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia de que o mundo, o grande mundo, está crescendo
todos os dias entre o fogo e o amor. E então meu coração também
pode crescer. Entre o amor e o fogo. Entre a vida e o fogo. Meu
coração cresce dez metros e explode. Oh vida futura! Nós te
criaremos”. Ele sorri, descansado. O amor e o fogo se uniram em seu
coração.
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